Flávia Santos, 44 anos, caminhoneira, contou em entrevista à Fecam sobre sua infância, e desde cedo, sua vida foi marcada por dificuldades. Diante de todas as adversidades vividas, enfim encontrou uma família que a acolheu e tratou como filha. Essa família a ajudou a recomeçar, oferecendo roupas e abrigo.
Alguns anos depois, Flávia sentiu saudades de sua mãe e, com a ajuda da família acolhedora, entrou em contato com um tio. Porém, ao retornar para casa, foi novamente maltratada. Flávia engravidou de seu primeiro filho muito jovem, voltou para sua cidade natal e trabalhou na roça.
Ponto de virada
A recusa de sua mãe em ajudá-la foi o ponto de virada. Inspirada por um filme sobre um pai que viajava com seu filho em um caminhão, Flávia decidiu tirar sua carteira de motorista de caminhão. Após obter a habilitação, Flávia levava durante as férias, o seu filho pequeno na cabine e começou a viajar pelo país. Infelizmente, seu segundo filho, que nasceu com cardiopatia, faleceu aos quatro meses de idade. Este evento devastador quase a levou à depressão, mas o trabalho como caminhoneira a ajudou a superar a dor.
Flávia trabalhou como autônoma em diversos bicos até conseguir um emprego registrado. Aos 23 anos, começou a dirigir caminhões menores e enfrentou assédio moral de um encarregado. Suportou as dificuldades para ganhar experiência, sempre mantendo sua integridade. Após um ano e dois meses, decidiu pedir demissão.
Mesmo enfrentando desafios, Flávia perseverou. Ela se tornou uma motorista reconhecida e respeitada na estrada, conquistando seu espaço em uma profissão predominantemente masculina. Trabalhou em diversas regiões, incluindo o Mato Grosso, mas não conseguia oportunidades na sua cidade natal, uma cidade pequena do interior de São Paulo.
A oportunidade
Em um determinado momento, surgiu uma oportunidade única. Era uma empresa de um pernambucano, uma usina onde, anteriormente, ela havia trabalhado cortando cana. A usina estava contratando e havia quatro vagas disponíveis: duas para motoristas de comboio e duas para motoristas de canavieiros.
Flávia decidiu tentar a sorte e enviou seu currículo, que naquela época, em 2010, ainda era escrito à mão. Ela lembra que, ao lerem seu currículo, confundiram seu nome, lendo “Flávio” em vez de “Flávia”. Mesmo assim, ela recebeu uma ligação em seu antigo telefone Nokia, convidando-a a comparecer no dia seguinte para participar do processo seletivo. Era uma oportunidade na sua própria região, um desejo antigo.
No dia seguinte, ao chegar na usina, encontrou outros 18 motoristas concorrendo às quatro vagas. Ao tentar entrar na cancela, o segurança, desconfiado, perguntou o que ela estava fazendo ali. Flávia explicou que estava lá para o processo seletivo de motorista. O segurança pediu que ela aguardasse enquanto permitia a entrada dos outros candidatos. Após um momento de espera, ela finalmente foi autorizada a entrar.
A seleção
A seleção estava sendo conduzida por um grupo de pessoas, que já tinham experiência com mulheres trabalhando no setor no Mato Grosso. Flávia participou do processo seletivo e conseguiu uma das duas vagas para motorista de canavieiro. Ela trabalhou cinco anos na usina, ganhando experiência e se destacando em sua função.
Após esse período, decidiu explorar novas oportunidades e começou a trabalhar em rotas internacionais pelo Mercosul, viajando para Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e até Bolívia, transportando cargas como arroz. Trabalhou na Gabardo, onde foi a primeira mulher a dirigir uma prancha até o Chile. O proprietário da empresa, Sérgio Gabardo, elogiou muito seu trabalho e ainda guarda boas lembranças dessa época.
Flávia sempre teve o sonho de viajar com o marido ao seu lado. Depois de diversas experiências, surgiu a oportunidade de trabalhar em uma empresa grande, a Horizonte. O dono da empresa a convidou, e ela aceitou. Trabalhou na Horizonte por mais de um ano e meio, mas a rotina a afastava do marido, com quem passava até 30 dias sem se ver.
Em busca de uma vida mais unida, Flávia e o marido decidiram se mudar para o Mato Grosso, onde poderiam trabalhar juntos. Porém, três meses depois, o dono da Horizonte os convidou de volta. Na Horizonte, Flávia e o marido conseguiram economizar e planejar um futuro juntos, algo que ela nunca havia conseguido antes. Cada centavo era guardado com cuidado, visando a construção de uma casa própria.
Flávia reflete sobre sua trajetória com orgulho. Ela foi a primeira mulher a trabalhar como motorista na sua região, uma conquista que foi celebrada com um jornalzinho local e um vídeo. A empresa onde começou montou o Projeto Crescer, que hoje emprega muitas mulheres em diversas funções, desde motoristas até operadoras de máquinas.
Aos 44 anos, com mais de 20 anos de experiência como motorista, Flávia sente-se realizada. Ela e o marido estão construindo uma casa juntos e planejam um futuro estável. Ela olha para trás com a certeza de que todas as dificuldades e desafios foram superados com coragem e determinação.