Ao todo, 62,2% do transporte de cargas do Brasil é realizado pelas estradas, segundo levantamento realizado pela Fundação Dom Cabral. Em um país de dimensões continentais como o nosso, problemas no gerenciamento eficaz do transporte impactam diretamente todos os setores da economia. Com uma variedade de condições climáticas e geográficas, regiões sujeitas a enchentes, deslizamentos de terra e áreas remotas de difícil acesso, as empresas enfrentam desafios para garantir a entrega segura das mercadorias.
“As estratégias de planejamento e mitigação de riscos devem considerar estes fatores, incluindo, por exemplo, o controle de temperatura das cargas refrigeradas”, afirma Márcio Lira, fundador e CEO da Angel Lira, empresa de tecnologia para logística e gerenciamento de riscos. Segundo ele, existem inúmeros desafios no gerenciamento de riscos logísticos no Brasil. Aqui, listamos cinco deles.
Infraestrutura deficiente
A infraestrutura precária em algumas regiões do Brasil é um dos principais obstáculos para o transporte de cargas. Estradas mal conservadas, portos congestionados e aeroportos saturados resultam em atrasos, danos às mercadorias e custos adicionais. Dados divulgados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 2023 revelam que 67,5% das rodovias federais e estaduais são consideradas regulares, ruins ou péssimas. A malha rodoviária do país abrange uma malha rodoviária de 1.720.607 quilômetros, dos quais apenas 213.299 são pavimentados, correspondendo a apenas 13% do total, segundo a CNT.
O número de pontos críticos nas estradas brasileiras – como quedas de barreiras, erosões na pista, buracos grandes e pontes estreitas ou danificadas – aumentou mais de 10 vezes desde 2013, segundo o estudo. Esses fatores elevam o custo operacional do transporte rodoviário de cargas, que chegou a 32,7% em 2023. “A condição das rodovias impacta o preço do frete e, consequentemente, o dos produtos para o consumidor final. Sem rodovias de qualidade, o consumo de combustível aumenta”, alerta Lira.
De acordo com o estudo, os resultados relacionados à avaliação da qualidade do pavimento, em que 56,8% são considerados regulares, ruins ou péssimos, e 43,2% ótimos ou bons, estima-se que, neste ano, 1,139 bilhão de litros de diesel serão consumidos desnecessariamente nas estradas brasileiras. “Além disso, esse tipo de transtorno ocasiona atrasos na entrega das mercadorias, aumentando as chances de acidentes e danos aos veículos”, lembra o especialista.
Criminalidade e roubo de cargas
O Brasil ainda enfrenta altos índices de criminalidade, incluindo o roubo de cargas. De acordo com a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), o país registrou mais de 22 mil casos de roubo de carga em 2022, resultando em perdas estimadas em R$ 1,2 bilhão. No ranking global da empresa, o Brasil é o segundo colocado entre os países com maior número de roubos de carga, ficando atrás apenas do México.
“O roubo de cargas se tornou lucrativo porque ainda há pouco investimento em sistema de rastreio de cargas roubadas, e os receptadores, que compram as cargas roubadas e incentivam o crime, permanecem impunes”, aponta Lira. Segundo ele, o aumento da criminalidade contribui para elevar o preço dos produtos legalizados, pois os custos dos seguros de transporte aumentam e são repassados ao consumidor final. Em 2017, no Rio de Janeiro, houve até risco de desabastecimento da capital, pois as corretoras passaram a não fazer seguros ou a cobrar preços exorbitantes, o que quase inviabilizou o transporte de cargas por meses.
Complexidade tributária e regulatória
O ambiente tributário e regulatório no Brasil impõe desafios significativos ao transporte de cargas. Diferenças nos regimes tributários estaduais, impostos sobre circulação de mercadorias e exigências burocráticas aumentam os custos operacionais e complicam a logística. No relatório “Doing Business 2020” do Banco Mundial, o Brasil ocupava a 124.ª posição em facilidade de fazer negócios, refletindo as dificuldades enfrentadas pelas empresas no ambiente regulatório.
Falta de rastreabilidade
A rastreabilidade ao longo da cadeia de suprimentos é outro desafio significativo. Sem sistemas eficazes de monitoramento e rastreamento, as empresas têm dificuldades em identificar e mitigar riscos em tempo real, aumentando a vulnerabilidade a perdas e danos. Segundo Lira, 60% das cargas transportadas no Brasil não são rastreadas, o que impede que as empresas saibam onde as mercadorias estão durante o trajeto ou quando chegarão ao destino. “Sem acompanhamento, a carga atrasa e ninguém sabe quanto tempo vai atrasar. Só sabe quando já está efetivamente atrasado”, diz.
Segundo o especialista, o avanço das tecnologias 4G e 5G ajuda bastante nessa questão, mas nem todas as transportadoras investem nesse custo. “Mais de 70% das transportadoras do país são de pequeno porte e dependem da competitividade de preço para se manter no mercado. Isso leva muitas delas a não perceberem que um investimento de 5% pode resultar em uma economia de 50% a médio e longo prazos”, pontua.
Condições climáticas e geográficas
As fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul entre o final de abril e os primeiros dias de maio são um exemplo claro de como as condições climáticas e geográficas do Brasil afetam diretamente o transporte de cargas e, por consequência, o abastecimento e o preço dos produtos. Queda de pontes, deslizamentos de terra e pistas inundadas, entre outros problemas, deixaram diversas cidades isoladas. Importantes rotas de escoamento da produção gaúcha foram comprometidas. Um balanço divulgado pelo governo do estado no dia 10 de maio registrou 170 pontos de bloqueios em 79 rodovias estaduais. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) mostraram 61 pontos de interdição em estradas federais.
Riscos como esse não são previsíveis, mas, segundo Lira, podem ser monitorados por meio de tecnologias como Internet das Coisas (IoT), análise de dados avançada e inteligência artificial. Essas ferramentas oferecem visibilidade em tempo real, identificam padrões de risco e facilitam a tomada de decisões rápidas e estruturadas.
Fonte: Rafael Brusque – Blog do Caminhoneiro